A movimentação dos rebeldes em maio de 1842, na cidade de Sorocaba revolta começou. Óleo sobre tela de Ettore Marangoni. Domínio público |
A REAÇÃO MONÁRQUICA (1840-1848)
O período da reação conservadora (1836-1840), é marcado pelo retraimento dos liberais e de suas teses mais ousadas. Nesse período se recompôs o Estado, militar e politicamente, de modo a conter nos limites da ordem aristocrática brasileira as massas de homens livres que emergiam com as rebeliões provinciais. A violência social que deu a tônica a toda regência, foi substituída pela violência política, inaugurada com o golpe da Maioridade. O não-aproveitamento pelos liberais das novas forças populares evidenciava seus interesses em manter à camada dominante as possibilidades de interferência no molde do Estado. As dissensões no seio da aristocracia rural deveriam ser resolvidas institucionalmente e acomodadas no jogo político que lhes era reservado.
Entretanto, o recuo dos liberais não se deu sem prejuízo dos interesses daquelas facções que representam. Tiveram que ceder tanto ao nível da distribuição dos poderes do Estado, fortalecendo excessivamente os instrumentos institucionais em detrimento da representação, como ao nível dos poderes provinciais e municipais, locais, que se transferiram para o poder central. Uma longa tradição era quebrada no Brasil, com a destruição das representações locais e cargos municipais eletivos, como os juízes de paz, que poderiam ter fortalecido, pelo menos no âmbito das elites, formas mais sólidas de representação. Essa violência política, perpetrada por um Estado em formação e contra a própria aristocracia rural, poderia dar a impressão de um Estado descolado da sociedade, ou da nação, como preferem os liberais. No entanto, ele adequava-se perfeitamente às exigências da aristocracia agrária em geral, mas, particularmente, de seu setor exportador mais dinâmico, o que atendia, em última análise, às demandas do comércio internacional, de que o Brasil era dependente.
1. As "Eleições do Cacete" e o Gabinete da Maioridade.
O "golpe da Maioridade" que antecipou a posse do trono por D. Pedro dos 18 para os 14 anos, apesar de não passar de uma simples articulação e manobra palacianas, violentou o processo político institucional. Teve um significado muito mais amplo, pois inaugurou uma prática política violenta, através da qual se imporiam as normas e se concretizaria a organização do Estado brasileiro. A resistência a essa imposição do Estado ficou restrita a algumas províncias, como São Paulo e Minas, facilmente vencidas, e Pernambuco, com a Revolução Praieira, tomando aqui maiores proporções e assumindo um caráter social pela participação de setores mais populares da sociedade.
A violência foi amplamente utilizada nas eleições legislativas de 1840, e serviu praticamente para institucionalizá-la, de modo a garantir de forma sistemática a vitória do partido no poder. Com as eleições, lembradas como as "do cacete", inverteu-se todo o procedimento eleitoral. O governo central, de forma a controlá-la, nomeou novos presidentes para as províncias, removeu os juízes de direito e chefes de polícia; suspendeu os oficiais superiores da Guarda Nacional e substituiu-os por outros com ordem de recrutamento de 4000 novos guardas; e finalmente suspendeu os juízes de paz que presidiam o pleito. Passou, depois, à violência. Grupos de valentões, com a conivência da polícia, quando não dirigidos por ela, assaltavam as mesas eleitorais. Identificavam-se pelo uso de um laço amarelo ao pescoço, ficando por isso conhecidos como papos amarelos. Assassinatos e espancamentos ocorreram em todo o país. A fraude completa o quadro dessas eleições. Na qualificação dos eleitores aceitavam-se meninos, escravos, pessoas imaginárias e trocas de identidade. No recolhimento dos votos dos eleitores de paróquia, muitos foram impedidos de votar e as urnas cheias com votos preparados. Noutros casos, o conteúdo das urnas foi substituído. Fraudou-se a apuração com a alteração na contagem de votos, com a falsificação das atas e, por fim, na qualificação do eleitor de província.
Tais procedimentos, ao mesmo tempo em que tiravam a autenticidade da representação local, pois como ressalta Raymundo Faoro, "o deputado, dentro desse círculo de ferro, era nada mais que o resultado das combinações de cúpula, tramadas nos salões dos poderosos", preparavam o eleitor para ser como aquele Jararaca, que Joaquim Nabuco quando candidato encontrou num casebre do Recife: estava pronto para votar no postulante, simpatizava com sua causa, "mas, votando, era demitido, perdia o pão da família; tinha recebido a chapa de caixão (uma cédula marcada com um segundo nome, que servia de sinal), e se ela não aparecesse na urna, sua sorte estava liquidada no mesmo instante".
O "Ministério dos Irmãos" Toda a violência posta em prática nas eleições acima descritas prendia-se a uma atitude organizatória depois erigida em norma, durante todo o Segundo Reinado. Tratava-se de uma maneira muito original de praticar o parlamentarismo, mais tarde chamado "parlamentarismo às avessas": o ministério, nomeado pelo imperador, tinha que governar possuindo na Câmara uma maioria de deputados da sua mesma cor partidária. Entretanto, isso não se faria como no parlamentarismo clássico, em que os ministérios procuram adequar-se à coloração partidária das Câmaras; ao contrário, entre nós a Câmara é que teria de adequar-se ao partido nomeado para o ministério, o que só era possível por força do poder moderador, que conferia ao imperador o direito de dissolver a Câmara.
O primeiro ministério após a maioridade já pôs em prática essa norma: era composto de elementos representativos da campanha maiorista, basicamente do partido liberal, como Antônio Carlos Ribeiro de Andrada e seu irmão Martim Francisco, os irmãos Cavalcanti (futuros Viscondes de Albuquerque e Suassuna), de onde o nome de "gabinete dos irmãos", e também por Antônio Paulino Limpo de Abreu, Visconde de Abaeté, e o "áulico" Aureliano Coutinho, verdadeiro chefe do "Clube da Joana" e articulador da maioridade. Ora, a Câmara com que deveriam trabalhar era de maioria conservadora; para eliminar esse obstáculo, o imperador foi solicitado a dissolvê-la e, com as "eleições do cacete", conseguiu-se uma Câmara de maioria liberal. Estava fundada a norma, vigente ao longo de todo o restante do império, mediante a qual o poder executivo sempre determinaria a cor política do legislativo.
2. As Leis Reacionárias
Em 23 de março de 1841, D. Pedro II dissolveu o gabinete liberal e organizou um outro com membros do influente Clube da Joana e do partido conservador. Palacianos, como Aureliano, Paulino José Soares, Clemente José Pereira e Miguel Calmon du Pin e Almeida, passaram a ter primazia nesse gabinete. O Partido Conservador logo se empenhou em fazer passar as leis de restauração do Conselho de Estado e de reforma do Código do Processo, que complementavam a Lei de Interpretação do Ato Adicional, aprovada em 1840, preocupando-se o gabinete palaciano em afastar os obstáculos partidários que pudessem antepor-se à sua aprovação.
Essas duas leis se constituíram em algumas das peças principais do edifício imperial, Em 23 de novembro de 1841 aprovou-se a restauração do Conselho de Estado, Esse órgão abrandava o caráter irresponsável do poder do imperador, pois a partir data, o exercício do poder moderador estava sujeito à sua audiência, exceto na nomeação e demissão dos ministros. Não podia o chefe do Estado declarar a guerra, ajustar a paz, negociar com as nações estrangeiras, nomear senadores, convocar extraordinariamente a assembléia, sancionar as leis, aprovar ou suspender as resoluções dos conselhos provinciais, dissolver a Câmara dos Deputados, suspender os magistrados e exercer o direito de graça sem que os conselheiros, responsáveis pelas opiniões emitidas, consagrassem as medidas com seu aval. O Conselho vitalício, composto por doze membros ordinários e doze extraordinários, juntamente com o Senado, também vitalício, comporia uma oligarquia burocrática que comandaria a política e a administração do país. "O Conselho de Estado, dirá Nabuco, 'foi o crisol dos nossos estadistas e a arca das tradições do governo'. Dele se irradiará uma das mãos da tutela imposta à nação, ocupada a outra mão a erguer sobre o povo o senado vitalício, com o curso dos anos transformado no centro de gravidade política." A responsabilidade das decisões do poder moderador, incidindo sobre o Conselho de Estado, e a do governo sobre os ministérios partidários, isentariam e preservariam a figura do imperador; este, sem sofrer o desgaste das decisões e dos governos, agiria como um mediador e fator de equilíbrio entre os partidos, Liberal e Conservador, previamente reconhecidos como as duas únicas correntes de expressão.
Com a reforma do Código do Processo, em 3 de dezembro, centralizando-se a ação judicial e policial, punha-se fim à autonomia das influências locais, destruindo-se a estruturação partidária de baixo para cima, a partir do município e da província. O Estado, na medida em que se centralizava, penetrava profundamente na sociedade, correndo numa esteira de favoritismo, arbítrio, ineficiência na seleção de seus representantes e opressão. Sobre ele pôde escrever Justiniano José da Rocha, um conservador:
"Todavia cumpre ver que dessa organização nasceu um monstro horrível, que ameaça toda a segurança individual, que aniquila toda a liberdade; monstro que em mil vítimas que cotidianamente persegue, não se farta, não sacia os seus instintos: A PRISÃO ARBITRÁRIA... O regime das lettres de cachet, que tantos clamores excitou na França de Luís XV, está de muito excedido; sobre a liberdade individual impera o capricho; não aqui, ali, em pequenos povoados, onde a tutela da opinião é fraca, e quase nula a força repressora da inteligência; mas nas cidades, nas capitais, na capital do Império! A prisão arbitrária com todos os escândalos das paixões mesquinhas de mil agentes prendedores, com todo o desdém pela sorte das vítimas, pelo sofrimento dos cidadãos; a prisão arbitrária contra a qual não há senão um recurso, a carta de empenho: tal foi o primeiro fruto de uma organização policial irresponsável, soberana, que só depende do governo, que só ao governo dá conta de si."
3. As Rebeliões contra as Medidas Centralizadoras em São Paulo e Minas.
Essas leis repercutiram desfavoravelmente entre as aristocracias provinciais, que consideravam, como num ofício da Câmara de Barbacena, o monarca coagido por uma "oligarquia hoje dominante". Demoraria ainda algum tempo para que essa aristocracia começasse a percorrer o caminho inverso e procurasse proteger-se e favorecer-se à sombra do poder. Em São Paulo e Minas eclodiram resistências nos meios liberais; estes procuravam preservar seus poderes locais contra as leis reacionárias, e também protestar contra a dissolução da Câmara liberal, escolhida com a eleição do cacete" antes mesmo de ela ter iniciado sua legislatura. Como a Câmara deveria ser oficialmente instalada no dia 3 de maio, o gabinete áulico, com a alegação de que as eleições haviam sido fraudulentas e viciadas com a interferência do ministério liberal, dissolveu-a no dia 1 daquele mês. Entretanto, os situacionistas usariam os mesmos métodos fraudulentos, que praticamente se transformavam em norma geral, e sem os quais dificilmente conseguiriam a maioria necessária para conseguir governar.
Essas medidas, julgadas inconstitucionais, e que no âmbito das elites quebravam os processos políticos tradicionais, irritavam os divergentes, não lhes deixando outro recurso legal que a insurreição armada. O primeiro passo foi dado com a retomada no Rio de Janeiro do Clube dos Patriarcas Invisíveis, espécie de sociedade política secreta, fundada por José Martiniano de Alencar, que possuía ramificações e filiados também em São Paulo e Minas. Os interesses contrariados dessas províncias aproximavam-nas dos rio-grandenses rebelados e levavam-nas a buscar apoio no Rio de Janeiro. As Câmaras das províncias paulista e mineira protestaram contra a aplicação dessas leis, numa linguagem violenta em que o ministério foi acusado de restaurar um "regime ainda inferior ao dos tempos coloniais", ou de "ominoso ministério", de que "nunca abutres tão esfaimados prearam as entranhas do Brasil", "imundas harpias", "medonha vida do ministério".
A Rebelião em São Paulo - A notícia da oposição geral em S. Paulo levou o governo a nomear para a sua presidência José de Costa Carvalho, em substituição ao Brigadeiro Rafael Tobias de Aguiar, o "reizinho", como o chamavam. Ficava a Costa Carvalho, Barão de Monte Alegre, a difícil tarefa de aplicar as reformas instituídas pelas leis conservadoras, quando já se espalhava pela província uma atmosfera de levante, preparada pelos clubes que se iam fundando em diferentes regiões. A insurreição eclodiu com a dissolução da Câmara eleita. Em 17 de maio, Tobias de Aguiar foi proclamado em Sorocaba o presidente interino da província, procurando os insurretos apoio nas diversas municipalidades, através de proclamações e manifestos. Entretanto, Costa Carvalho, apesar de baiano de nascimento, estava já radicado em São Paulo desde longa data, onde contava com grande círculo de amizades e ligações. Esperando o levante, havia colocado seus partidários no comando da guarnição da Capital, de São Roque e Campinas. Ao mesmo tempo, assegurou a neutralidade de Curitiba, acenando-lhe com a possibilidade de sua separação de São Paulo: evitou com isso uma possível ajuda dos farrapos rio-grandenses aos rebelados, o que poderia ser fatal às forças legalistas.
Limitados os paulistas à ajuda de apenas algumas vilas, como Itapetininga, Itu, Porto Feliz, Capivari etc., tentaram ainda avançar sobre a Capital. Caxias, que fora nomeado comandante do Exército Pacificador, conseguiu surpreendê-los e derrotá-los junto à ponte do rio Pinheiros, onde estavam estacionados. Partiu daí para Sorocaba, o centro dos rebeldes, entrando na cidade em 21 de junho. Deteve Feijó, o antigo regente do império que havia aderido à insurreição, mas perdeu Tobias de Aguiar que, "dias antes, vestindo suas bombachas e o chiripá," atravessara o Campo Largo rumo ao sul, com a intenção de ir unir-se aos farroupilhas."
Dialogo entre Feijó e o duque de Caxias:
Feijó
que dizia: “Quem diria que, em qualquer tempo, o Sr. Luís Alves de Lima seria obrigado a combater o padre Feijó? Tais são as coisas deste mundo [...]”, em seguida, se referia ao “vilipêndio que tem feito o governo aos paulistas e às leis anticonstitucionais da Assembleia [...] estaria em campo com minha espingarda, se não estivesse moribundo: mas faço o que posso”, escreveu. Propunha o padre na carta que fosse concedida anistia a todos sem exceção, “embora seja eu só o excetuado e se descarregue sobre mim todo o castigo”.
O Barão de Caxias,
Gravura de François-René
Moreaux. Wikimedia Commons
Caxias
respondeu: “Quando pensaria eu, em algum tempo, que teria de usar da força para chamar à ordem o Sr. Diogo Antônio Feijó? Tais as coisas do mundo: as ordens que recebi de S. M. o Imperador são em tudo semelhantes às que me deu o Ministro da Justiça em nome da Regência, nos dias 3 e 7 de abril de 1832, isto é, que levasse a ferro e fogo todos os grupos armados que encontrasse, e da mesma maneira que então as cumpri, as cumprirei agora”.
Ainda não terminara, porém, a luta em São Paulo. Faltava reprimir as forças liberais que se haviam levantado no vale do Paraíba, agitando a região entre Taubaté e Areias. O núcleo de resistência mais importante encontrado pelas forças legalistas foi em Silveiras, onde se deu a batalha mais sangrenta da rebelião paulista. Nesse choque morreram 8 soldados do governo e 40 rebeldes. Aqueles, justificando como vingança da morte dos companheiros, saquearam e devastaram violentamente a região. Uma vez "apaziguada" a província paulista, preparava-se Caxias para sua nova missão, agora em Minas Gerais.
A Rebelião em Minas - A rebelião já estava praticamente derrotada em São Paulo, quando Minas entrou na luta. Em 10 de junho, o batalhão da Guarda Nacional aclamou em Barbacena José Feliciano Pinto Coelho como presidente interino da província. 10 de junho de 1842, na cidade de Barbacena, escolhida como sede do governo revolucionário. A Câmara local justificava a medida tanto em defesa dos cidadãos, ameaçados pelas leis centralizadoras e seus executores, quanto, numa exaltação nacionalista, pela submissão do governo ao estrangeiro, devida à assinatura do novo Tratado de Comércio renovando os privilégios concedidos aos ingleses.
O presidente oficial, Bernardo Jacinto da Veiga, não foi surpreendido pela revolta. Articulações dos oposicionistas a denunciavam, e ele tratou logo de comunicá-la ao ministério e de organizar a defesa. As acusações aqui se repetiam. Para os rebeldes, os legalistas eram os defensores de uma oligarquia que espezinhava as liberdades e vivia de ambições. O ministério era acusado de infame, corrupto e traidor. Enquanto para os legalistas os revoltosos eram tratados como desordeiros que pretendiam a anarquia, "uma infame horda de anarquistas e canibais sedentos de sangue".
Enquanto em vários pontos da província seguiam-se combates, escaramuças, numa tática de mobilidade que os rebeldes haviam adotado, o governo do império mandava que em São Paulo, Minas e na própria Capital se observassem as leis militares, com a suspensão de garantias constitucionais, e mobilizava a Guarda Nacional. A principal vitória dos mineiros foi em Queluz. Queluz foi atacada, em 26 de julho, pelos revoltosos comandados pelo Coronel Antônio Nunes Galvão. Mesmo tendo fortificado a cidade, o Brigadeiro reformado legalista Manoel Alves de Toledo Ribas, que a defendia, não conseguiu evitar o desastre e a fuga desordenada de suas tropas. A notícia da derrota dos revoltosos paulistas, no entanto, arrefeceu o ânimo dos liberais mineiros e dividiu a opinião de seus líderes sobre a viabilidade de Ouro Preto. Seguiu-se uma série de derrotas que arrefeceram os ânimos dos insurretos, vindo a abatê-los mais ainda a chegada de Caxias para dirigir os legalistas.
A partir daí começaram a surgir dissensões entre os rebeldes, apoiando alguns a substituição do moderado José Feliciano pelo exaltado Teófilo Otoni, defendendo a necessidade de uma ação mais audaz. Temendo porém os efeitos negativos que poderia causar a mudança não a colocaram em prática. Caxias, em Ouro Preto, preparava o combate decisivo, esperando o encontro de suas várias colunas. Porém, os mineiros, ocupando melhores posições, alojados no alto de Alcoçaba, atacaram. Como no caso de São Paulo, Caxias soube aproveitar-se da inexperiência e despreparo militar dos rebeldes. Fugindo, conseguiu na perseguição trazer os mineiros para um terreno mais fácil de enfrentá-los, colocando-os entre dois fogos. Contra-atacou-os enquanto a coluna que vinha unir-se às suas tropas ocupava a antiga posição dos revoltosos. Houve nessa batalha um grande número de mortos e mais de 300 prisioneiros, entre os quais os principais chefes.
O viajante inglês Richard Burton, deixou seu testemunho do combate de Santa Luzia e destacou a atuação de Caxias:
“Santa Luzia, o pequeno arraial, tornou-se, em 8 de julho de 1842, a sede da Presidência provisória e aqui, em 20 de agosto do mesmo ano, terminou o movimento revolucionário. O presidente intruso desapareceu durante a noite e o então gênio bom do Partido Conservador, General Barão (hoje Marquês) de Caxias, atacou os insurgentes. O combate travou-se em torno da ponte, começando às primeiras horas da manhã; o desfecho era ainda duvidoso às três da tarde, quando o 8º Batalhão das Forças Regulares ocupou o ponto mais alto da aldeia e levou o inimigo à debandada. Os chefes, Srs. [Teófilo Benedito] Ottoni, José Pedro, Padre Brito e outros, foram feitos prisioneiros do estado, e, desde aquele dia desastroso, os ultraliberais foram chamados ‘luzias’”
Processados e julgados os responsáveis pela rebelião, foram anistiados em 14 de março de 1844 pelo imperador. "Pacificada" a província, foi nomeado para dirigi-la o ultraconservador Francisco José de Sousa Soares de Andrea. Punha-se fim na região às resistências das facções liberais da aristocracia agrária local, que a partir daí procurariam integrar-se, embora às vezes lentamente, à ordem imperial; esta abria seus braços paternalisticamente aos filhos rebeldes desgarrados, porém "filhos das boas famílias" que tinham lugar na restrita sombra protetora do império. O antigo exaltado Teófilo Otôni, em 1860, fazia sua autocrítica:
"Creio sinceramente que mais teria ganho o sistema constitucional, se (...) a oposição mineira, em vez do recurso às armas, de preferência empregasse contra o Governo os meios pacíficos que ainda lhe restavam."
Os liberais, chamados para o poder em 1844, e dominando-o até 1848, não se preocuparam em reformar aquelas leis contra as quais tinham-se levantado em armas. Bem cedo perceberam que eram essenciais para a defesa da ordem que também lhes agraciava.
5. Um Rosário de Gabinetes Liberais
"Na sociedade organizada pela reação a influência da localidade desapareceu; tudo partiu do governo, tudo ao governo se ligou, o governo foi tudo, e tanto que hoje não há brasileiro que mil vezes por dia não manifeste a convicção de que a sociedade está inerte, e morta, de que só o governo vive. E por isso ao governo se dirigem todos os votos, todas as aspirações a melhoramentos, o governo é por todos invocado até quando se quer, para divertimento da Capital, contratar cantores e bailarinas!" A repressão aos movimentos liberais em São Paulo e Minas representava mais um passo para o pântano monótono que seria a vida política oficial do Segundo Império. A aristocracia agrária, contendo no "seu lugar" a massa escrava, podia agora contar com um aliado cada vez mais poderoso na defesa de seus privilégios e da "ordem", ou seja, do imobilismo social. Em vista disso, abdicava das formas de representação mais ou menos autênticas que haviam desenvolvido, para disputar entre si os favores do Estado. Essa disputa chegava a ser violenta entre as grandes famílias, empenhadas na corrida à corte, fonte inesgotável nomeações, títulos, distinções, cargos e outras sobras do poder, de quem todos se sentiriam devedores. Logo no início de 1844, D. Pedro dissolveu o segundo gabinete conservador. A intransigência deste na defesa do tráfico de escravos, resistindo às pressões inglesas, permitia a expectativa, por parte do imperador, de que um gabinete liberal melhorasse as relações diplomáticas com a Inglaterra. Ao mesmo tempo, o Partido Conservador, fortalecido durante o seu período de governo, recusava-se à conciliação interpartidária quase compulsoriamente buscada por D. Pedro, ameaçando o equilíbrio de poder que garantia a estabilidade parlamentar do império.
O novo gabinete liberal, chefiado por Almeida Torres, tinha como principal base política a aliança entre Alves Branco e Aureliano Coutinho. Continuava forte a facção "áulica" com a ascensão dos liberais. Enquanto os conservadores eram colocados no ostracismo e os liberais perdiam-se em dissensões internas, os palacianos iam-se colocando acima dos partidos, ganhando cada vez mais influência e ascendência sobre o imperador.
Em 24 de maio desse ano, dissolveu-se a Câmara, de maioria conservadora, e convocaram-se novas eleições, nas quais se utilizaram as mesmas violências, chegando alguns partidários ao extremo de autorizar o assassínio dos eleitores que recusassem as listas do governo. O controle da cúpula governamental impunha-se em todos os níveis; chegava mesmo a anular a ação parlamentar das bancadas, transferindo-as para as combinações de corredor, como se costumava dizer, diluindo o debate político em conchavos, barganhas e negociações que, se aparentemente confundem o observador sobre a posição de cada partido, na verdade esclarecem o refrão do Visconde de Albuquerque de que "não há nada mais parecido com um 'saquarema' (conservador) do que um 'luzia' (liberal) no poder". "O sistema favorece sobremaneira a arbitrariedade do Poder Central que forma maiorias através de entendimentos bilaterais com os vários grupos ou mesmo através de compromissos individuais, de acordo com as teorizações um tanto burlescas das maiorias de amor de Alves Branco ou das maiorias artificiais de Holanda. Obviamente a contrapartida do arbítrio do Poder Central é sua descaracterização política. Sua posição é o ponto-morto entre as correntes divergentes. A influência política dos meios palacianos tornou-se por isso irresistível e por isso dominam eles o período, anulando de tal forma a vida parlamentar que, na primeira remodelação do gabinete, os chefes das bancadas luzia e praieira ficaram completamente à margem das combinações políticas e só puderam obter confirmação dos rumores vagos que corriam quanto à nova composição ministerial através do comunicado a respeito publicado no Jornal do Comércio."
Apesar do aspecto burocrático que assumiu a prática política na cúpula, mantinha ela ainda tensões entre grupos e grandes "vultos" em torno de questões ou divergências muitas vezes de caráter pessoal, que justificavam mudanças de governo mas sem alterar em substância a política adotada. O Segundo Gabinete Liberal surgiu da ruptura de Alves Branco com Aureliano, acabando na renúncia do primeiro juntamente com Limpo de Abreu e Almeida Torres. D. Pedro chamou Holanda Cavalcanti, liberal da facção agrária de Pernambuco, que se havia aliado com os conservadores para formar um novo governo que ficou sendo conhecido como o da "pequena conciliação". Quando porém o imperador escolheu para senadores de Pernambuco Chichorro da Gama e Ernesto França, Holanda Cavalcanti, por não concordar com a escolha, renunciou. Em maio de 1847 formou-se novo ministério, através de uma nova aliança entre Alves Branco e Aureliano. Desse gabinete participou Paula Sousa, que inspirou a criação da Presidência do Conselho de Ministros, Alves Branco, nomeado Presidente do Conselho, procurou intervir nos diferentes ministérios, entrou em conflito com Saturnino, irmão de Aureliano Coutinho, contra a assinatura de um tratado de amizade e comércio e de uma nova convenção sobre a extinção do tráfico sem que antes se revogasse o Bill Aberdeen. Saturnino renuncia e Alves Branco logo também se retira.
Um novo ministério liberal foi formado com Almeida Torres. Tratava-se de uma nova tentativa de conciliação. O debate maior que se produziu no período desse gabinete foi a proposição de Almeida Torres da lei de Incompatibilidades. Pretendia-se por ela evitar que os ministros de Estado se candidatassem ao Senado por outra província que não fosse a de seu nascimento ou de residência. Isso porque o recrutamento do Senado era feito normalmente entre os membros dos ministérios em exercício, eleitos em qualquer província onde aparecesse uma vaga. Consideravam-se por isso Senadores da Nação e não Senadores de Província, guardando maior relação com o poder central que com as regiões onde eram eleitos. Entretanto, as intervenções do governo nas províncias e no processo eleitoral suscitaram protestos dos grupos atingidos e aprofundaram o conflito intrapartidário. Almeida Torres foi substituído por Paula Sousa, que aprofundou o problema. Nomeando Chichorro da Gama, em Pernambuco, para Governador da Província, facilitou a ação dos liberais radicais, dos "praieiros", que passaram a promover agitações, contra o domínio inconteste de poderosos latifundiários como os Cavalcanti . Irritados, os conservadores alegavam que o governo favorecia a "anarquia" e pediram sua queda.
Com a queda do Gabinete Paula Sousa termina o chamado Quinquênio Liberal. Subiam agora os conservadores praticamente como donos da situação. Extinguira-se a facção dulica e os liberais se consumiam em divergências internas desgastando-se mais ainda com a eclosão da Revolução Praieira. Esta, pela profundidade social que atingiu, contribuiu para reduzir ainda mais os laivos liberais de nossa aristocracia rural.
Mapa Conceitual - Revolução Liberal de 1842
Contexto Geral:
- Reação conservadora (1836-1840 - Período Regencial).
- Violência Política se torna base - iniciado com o Golpe da Minoridade;
- Retraição dos liberais.
- Esses não buscaram apoio das novas forças políticas (com as rebeliões regências)
- Liberais perdem os poderes liberais e províncias (tradição no pais)
- Violência social e política.
Golpe da Maioridade (1840):
- Antecipação do trono para D. Pedro II, de 18 para 14
- Início da prática política violenta que serão perpetuadas por todo o 2º reinado.
- Resistência em algumas províncias.
Eleições de 1840 (Eleições do Cacete):
- Violência amplamente utilizada (torna-se prática corrente).
- Governo Central:
- Novos presidentes provinciais;
- Novos Juizes;
- Novos Chefes de Polícia;
- Novos Superiores da Guarda Nacional;
- "Papos amarelos" - usam uma fita amarela no pescoço.
- Uso de espancamentos e assassinatos
- Somados a Fraudes eleitorais
- Institucionalização da violência nas eleições.
"Ministério dos Irmãos" e Parlamentarismo às Avessas:
- Ministério nomeado pelo imperador.
- Necessidade de maioria na Câmara da mesma cor partidária.
- Dissolução da Câmara para garantir maioria liberal.
Leis Reacionárias (1841):
- 23 de Maio - dissolução o gabinete Liberal;
- Novo Gabinete formado pelo:
- Partido Conservador + Clube da Joana;
- Restauração do Conselho de Estado.
- Limitação do poder moderador.
- É quem comanda o país Politica e Administrativamente: Conselho de Estado e o Senado. inexpressiva participação partidária;
- Formado por um Conselho Vitalício: 10 membros ordinários e 12 extraordinários
- Oligarquia burocrática.
- Reforma do Código do Processo.
- Centralização da ação judicial e policias.
- Fim da autonomia local.
- Fim das estruturas partidárias (de baixo para cima - município e província);
Impactos na Sociedade:
- Violência política e institucional.
- Destruição das representações locais.
- Atuação do Estado na sociedade.
- Ameaças à liberdade individual.
Consequências a Longo Prazo:
- Permanência do "parlamentarismo às avessas."
- Consolidação do poder executivo na determinação da cor política do legislativo.
- Transformações na estrutura política e administrativa do Império.
Leis Centralizadoras Desfavoráveis:
- Repercussões negativas entre as aristocracias provinciais.
- Segundo os Liberais, o Monarca estava coagido por uma "oligarquia dominante."
Resistências em São Paulo e Minas:
- Primeiro Passo: retomada no Rio de Janeiro do Clube dos Patriarcas Invisíveis (Sociedade Política Secreta):
- Fundada por José Martiniano de Alencar;
- Ramificações em São Paulo e Minas Gerais;
- Meios liberais protestam contra leis reacionárias.
- Dissolução da Câmara liberal gera insatisfação.
- Medidas consideradas inconstitucionais e quebram processos políticos tradicionais.
Rebelião em São Paulo:
- José da Costa Carvalho nomeado para presidência de São Paulo, substituindo Rafael Tobias de Aguiar.
- Insurreição eclode com a dissolução da Câmara Eleita.
- 17 de maio de 1842 - Tobias Aguiar, em Sorocaba é proclamado presidentes Interino;
- Recebe o apoio de vários municípios como Itapetininga, Itu, Porto Feliz e Capivari;
- Costa Carvalho, embora baiano era erradicado em São Paulo - com várias ligações;
- Sabendo do Levante o presidente articula o comando das Guarnições de São Paulo, São Roque e Campinas;
- Acenou para Curitiba com a possibilidade de separação;
- Assegurou a Neutralidade de Curitiba;
- Tinha medo dos Farrapos auxiliar os Paulistas.
- Caxias envia reforços para Curitiba.
- Rebeldes tentaram um assalto a Capital
- Caxias (Comandante do Exército Pacificador) surpreende e derrota o revoltosos na Ponte do Rio Pinheiros;
- Em seguida Marcha para Campina e tomam a cidade;
- 7 de junho os rebeldes tentar invadir a cidade mas são derrotados;
- 21 de junho - Prende Feijó em Sorocaba;
- Tobias de Aguiar foge para o Sul para se integrar aos Farrapos - mas é preso e levado ao Rio de Janeiro;
- Faltava o Vale do Paraiba (entre Taubaté e Areias);
- Maior confronto - Silveiras: 8 soldados mortos e 40 rebeldes mortos;
- Exército saqueia a região;
- Caxias derrota os rebeldes após confrontos em diversas regiões.
Rebelião em Minas:
- Acusações contra o governo Imperial por submissão ao estrangeiro.
- 10 de maio de 1842 - Guarda Nacional aclamou José Feliciano Pinto Coelho como presidente.
- Presidente legalista era Bernardo Jacinto da Veiga;
- Maior Vitória dos rebeldes ocorre em Queluz;
- Em seguida várias derrotas;
- Para piorar chegada de Caxias na guerra;
- Revoltosos querem substituir Jacinto da Veiga pelo exaltado Teófilo Otoni;
- Revoltosos são derrotados em Ouro Preto por Caxias;
- Novo presidente, o ultraconservador Francisco José de Souza Soares de Andrea
Consequências e Fim das Rebeliões:
- Anistia para os rebeldes em 1844.
- Resistências das facções liberais diminuem, aristocracia agrária integra-se à ordem imperial.
- Os antigos revoltosos quando voltaram ao poder não se preocupara reforma as leis que os levaram as revoltas, pelo contrário, perceberam que era essencial para a defesa da ordem, a qual também os agradava;
Reflexão Pós-Rebeliões e 2º Reinado:
- Liberais chamados para o poder em 1844, mas não reformam as leis contra as quais se rebelaram.
- Reconhecimento da essencialidade dessas leis para a defesa da ordem.
- Os Grupos políticos passaram a disputarem, entre si, os favores do Estado;
- Disputas violentas entre as Grandes Famílias;
- Corria a corte por nomeações, títulos, distinções, cargos, etc.
- Todas as decisões eram tomadas no meio Palaciano;
- Extinção de toda a política partidária e parlamentar;
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