Dados sobre as Grandes Navegações (com foco em Portugal e Espanha, séculos XV-XVI)
Número de Tripulantes:
Caravelas (exploração costeira, menores): Cerca de 20-60 tripulantes. A caravela de Cristóvão Colombo, Niña, tinha cerca de 24 homens.
Naus (viagens mais longas, carga, transoceânicas): Podiam levar de 80 a 200 pessoas, incluindo marinheiros, soldados, religiosos, artífices e, às vezes, degredados. A nau São Gabriel de Vasco da Gama levava cerca de 150-170 homens na ida para a Índia. Frotas maiores, como a de Cabral, podiam ter mais de 1000 homens distribuídos em vários navios.
Quantidade e Tipo de Alimento:
Base:
- Biscoito de marinheiro (hardtack): Principal fonte de carboidrato. Era um pão duro, cozido várias vezes para durar meses. Muitas vezes infestado por gorgulhos (larvas de inseto).
- Carne salgada e seca: Porco ou boi.
- Peixe seco e salgado: Bacalhau, arenque.
- Leguminosas secas: Grão-de-bico, favas, lentilhas.
- Cebolas e alhos: Ajudavam a prevenir o escorbuto, embora não soubessem exatamente o porquê.
- Vinho e Água: A água apodrecia rapidamente em barris de madeira, então o vinho (ou aguardente) era misturado para torná-la mais potável e "desinfetar". O consumo de álcool era alto.
- Azeite e Vinagre: Usados para cozinhar e conservar.
- Ocasional/Para Oficiais: Queijos curados, frutas secas (figos, uvas passas), mel. Animais vivos (galinhas, porcos) podiam ser levados para consumo fresco no início da viagem.
Quantidade: Extremamente difícil de precisar, mas as rações eram calculadas para durar a viagem estimada, com uma margem. Contudo, era comum a comida estragar ou acabar antes do previsto, levando à fome. Um exemplo de ração diária (ideal, nem sempre cumprida): cerca de 700g de biscoito, 250g de carne/peixe, 1 litro de vinho, 2 litros de água, mais pequenas porções de azeite, vinagre, leguminosas.
Funções a Bordo (Hierarquia):
- Capitão: Comando geral da embarcação e da expedição. Responsável pela disciplina e decisões estratégicas.
- Piloto: O navegador principal. Responsável pela rota, uso de instrumentos (astrolábio, quadrante, balestilha, bússola), leitura de cartas náuticas e observação dos astros.
- Mestre (ou Contramestre): Supervisor direto dos marinheiros, responsável pela manutenção do navio, carga, velas, cordames, âncoras. Executava as ordens do capitão e do piloto.
- Marinheiros: A força de trabalho principal. Manejavam velas, remos (em algumas embarcações menores ou em calmaria), faziam reparos, limpeza, vigia.
- Grumetes (ou Pajens): Aprendizes de marinheiro, geralmente jovens. Faziam tarefas mais simples, serviam os oficiais.
Especialistas:
- Calafate: Responsável por vedar as frestas do casco com estopa e piche para evitar vazamentos.
- Carpinteiro: Reparava danos estruturais no navio.
- Tanoeiro (ou Arrieiro): Cuidava dos barris de água, vinho e mantimentos.
- Barbeiro-Cirurgião: Responsável por pequenos procedimentos médicos, sangrias, tratamento de feridas e doenças (com conhecimento muito limitado).
- Bombardeiro (Artilheiro): Cuidava dos canhões e armamentos.
- Capelão/Padre: Responsável pelos serviços religiosos e apoio espiritual.
- Escrivão: Registrava os eventos da viagem, inventários, etc.
- Soldados: Presentes em expedições com objetivos militares ou em áreas perigosas.
- Degredados: Criminosos condenados ao exílio, muitas vezes usados em tarefas perigosas ou para estabelecer primeiros contatos em terras desconhecidas.
O que Levavam nas Viagens (Carga):
Para a Viagem: Alimentos, água, vinho, lenha para o fogão, peças de reposição para o navio (velas, cordas, madeira), ferramentas, armas (canhões, arcabuzes, espadas, bestas), munição.
Para Trocas/Comércio (dependendo do destino): Tecidos de baixo valor, contas de vidro, espelhos, facas, tesouras, sinos, pregos, ferramentas agrícolas (se a intenção fosse colonizar).
Itens Pessoais: Pouquíssimos. Uma muda de roupa, um cobertor, talvez um objeto religioso ou um instrumento musical simples.
Lastro: Pedras ou outros materiais pesados no fundo do navio para garantir estabilidade.
Fonte: Inventários de naus (quando existem), relatos de cronistas.
Velocidade da Navegação:
Altamente variável, dependendo do tipo de navio, ventos, correntes marítimas, habilidade da tripulação e estado do casco (cracas e algas diminuíam a velocidade).
- Caravelas: Mais ágeis, podiam atingir médias de 4-5 nós (cerca de 7-9 km/h) com ventos favoráveis. Podiam chegar a picos de 8-10 nós.
- Naus: Mais pesadas e lentas, médias de 2-4 nós (cerca de 3.5-7 km/h).
Uma viagem de Portugal à Índia (ida) levava de 6 a 10 meses. A travessia do Atlântico por Colombo levou cerca de 2 meses e 9 dias.
Quantos Dias Conseguiam Navegar:
As viagens eram planejadas para durar meses. A autonomia dependia da quantidade de água e comida a bordo.
Objetivo: Chegar ao destino antes que os suprimentos acabassem ou estragassem completamente.
Realidade: Muitas vezes, as estimativas falhavam. Viagens podiam se estender por imprevistos (calmarias, tempestades, erros de navegação), levando a racionamento severo, sede, fome e doenças como o escorbuto.
Não havia um limite fixo de "quantos dias conseguiam navegar", mas sim um limite imposto pelos suprimentos e pela resistência humana. Viagens transoceânicas duravam meses. A primeira circum-navegação (Fernão de Magalhães e Elcano) levou quase 3 anos (1519-1522).
O que mais Pedir ou Fornecer para os Alunos:
Para enriquecer a atividade, você pode pedir que eles incluam em suas descrições (e fornecer informações sobre):
- Vida Social e Hierarquia:
- Como era a relação entre diferentes funções? (Capitão distante, mestre mais próximo dos marinheiros).
- Havia amizades? Rivalidades? Conflitos?
- Como a disciplina era mantida? (Punições severas para roubo, insubordinação, motim).
Higiene e Saúde:
- Como era a higiene pessoal? (Praticamente inexistente. Banho de mar era raro e perigoso).
- Condições sanitárias do navio (muito sujo, infestado de ratos, baratas, piolhos).
- Doenças comuns: Escorbuto (carência de vitamina C, causando sangramento nas gengivas, perda de dentes, feridas que não cicatrizavam, fraqueza extrema), disenteria, tifo, febres diversas.
- Medo constante de epidemias.
Rotina Diária:
- Divisão do dia em quartos de vigia (geralmente 4 horas cada).
- Trabalhos constantes: ajustar velas, bombear água do porão, limpar o convés, reparos.
- Horários das refeições (geralmente uma ou duas principais, muito simples).
- Momentos de lazer (raros): jogos de azar (dados, cartas, mesmo que proibidos), cantigas, contar histórias, pesca.
- Práticas religiosas: orações diárias, missas aos domingos (se houvesse padre).
Perigos e Medos:
- Tempestades violentas que podiam afundar o navio ou quebrar mastros.
- Encalhar em bancos de areia ou recifes.
- Ficar perdido no mar (cartas náuticas eram imprecisas).
- Ataques de piratas ou navios inimigos.
- Fogo a bordo (extremamente perigoso em um navio de madeira).
- Motins.
- O desconhecido: monstros marinhos (imaginário da época), águas ferventes no equador, etc.
Navegação e Instrumentos:
Como eles sabiam para onde estavam indo? (Observação do sol, estrelas – como a Estrela Polar no Hemisfério Norte ou o Cruzeiro do Sul no Sul – uso da bússola, astrolábio para latitude, estimativa de velocidade e direção para calcular a longitude – navegação por estima).
A importância do piloto e seus conhecimentos.
Alimentação da Alma e Esperanças:
- O que os motivava? (Riqueza, fama, aventura, fé, fugir de uma vida difícil em terra).
- Quais eram seus sonhos ao chegar ao destino? (Ouro, especiarias, terras).
- Saudade da família, da terra natal.
Sugestões para a Atividade:
Escolha de Personagem: Peça para cada aluno escolher UMA função específica (grumete, carpinteiro, piloto, soldado, cozinheiro, etc.) e descrever a viagem sob essa perspectiva. Isso diversificará as narrativas.
Diário de Bordo Fictício: Em vez de uma descrição geral, eles podem escrever entradas de um diário de bordo de seu personagem, cobrindo alguns dias da viagem, destacando eventos específicos (uma tempestade, a falta de comida, o avistamento de terra).
Elementos Sensoriais: Incentive-os a usar os cinco sentidos: o que o personagem via (mar infinito, céu estrelado, sujeira do navio), ouvia (vento nas velas, ranger da madeira, gritos, ondas), cheirava (maresia, piche, suor, comida estragada, dejetos), provava (comida insossa ou azeda, água salobra), sentia (balanço do navio, umidade, frio, calor).
Fontes Visuais: Mostre a eles pinturas e gravuras da época que retratam navios e a vida a bordo (com a ressalva de que podem ser idealizadas). Busque por "vida a bordo caravela século XVI" ou "interior nau século XV" em imagens.
Pequenos Trechos de Relatos: Leia com eles trechos curtos e adaptados de diários de bordo reais (Caminha, Colombo, Pigafetta – cronista de Magalhães) para dar um gostinho da linguagem e das preocupações da época.
Passo a Passo da Atividade:
Momento 1: Revisão e Imersão (Aula 1 - Parte 1)
Revisitar o Conhecido (10 min):
Comece perguntando aos alunos o que eles já sabem ou lembram sobre a vida em alto mar nas Grandes Navegações (baseado na leitura prévia).
Anote no quadro as ideias principais que surgirem.
Apresentando Novos Dados – O "Kit de Sobrevivência do Viajante" (20-25 min):
Explique: "Para nossa viagem no tempo ser mais real, precisamos de mais informações! Imaginem que vocês estão se preparando para embarcar. O que um marinheiro, um capitão ou um cozinheiro precisaria saber ou teria?"
Forneça os Dados: Apresente de forma clara e concisa os dados que você coletou (número de tripulantes, tipos de alimento, funções, velocidade, etc.).
Dica: Use recursos visuais se possível (imagens de caravelas, mapa com rotas, desenhos simples dos alimentos, lista de funções). Pode ser um slide, cartolina ou anotações no quadro.
Foco: Não sobrecarregue. Escolha os dados mais impactantes e fáceis de visualizar para a idade deles.
Perguntas Chave: Enquanto apresenta, faça perguntas como:
- "Imaginem comer biscoito duro e salgado todos os dias por meses. Como seria?"
- "Se você fosse o carpinteiro, qual seria sua maior preocupação durante uma tempestade?"
- "Por que a água e o vinho eram tão importantes?"
Definindo o Desafio – A Missão do Personagem (10 min):
Explique a Atividade: "Agora, cada um de vocês vai se tornar um personagem dessa época. A missão é escrever um pequeno texto, como se fosse uma página de um diário ou uma carta para alguém em terra, contando como é um dia (ou um momento marcante) na viagem. O objetivo é que quem ler consiga imaginar como era estar lá."
Deixe Claro: "No futuro, faremos um diário de bordo mais completo, com vários dias. Este é o nosso treino para sentir como é ser esse personagem."
Momento 2: Escolha e Planejamento (Aula 1 - Parte 2 / Início da Aula 2)
Escolhendo seu "Eu" na História (10-15 min):
- Nome Completo do Escrivão:
- Por quê? Dá identidade. Pode ser um nome comum da época (Português/Espanhol do século XV/XVI: João, Pedro, Afonso, Diogo, Maria, Isabel, Beatriz) ou algo que eles criem.
- Idade:
- Por quê? A idade influencia a perspectiva, a experiência e talvez o tratamento recebido. Um escrivão jovem e iniciante pode ter visões diferentes de um mais velho e experiente.
- Características Físicas:
- Origem/Terra Natal:
- Por quê? De onde ele veio? Uma cidade portuária movimentada como Lisboa ou Sevilha? Uma vila pequena do interior? Isso pode influenciar seu conhecimento prévio do mar, seus sotaques (se fossem descritos), e suas saudades.
- Nível de Instrução/Experiência como Escrivão:
- Por quê? Ele é um escrivão recém-formado, aprendendo o ofício? Ou já participou de outras viagens e tem experiência em registrar eventos navais? Isso afetará a confiança e a qualidade do seu trabalho (na ficção do aluno).
Escolha dos nomes do:
- Navios: (Podem inventar um nome para o navios, ex: "Nau Estrela Guia")
- Destino: (Ex: Índias, Brasil, uma terra desconhecida)
- Um Dia Típico ou Um Evento: Vão descrever um dia normal ou algo especial que aconteceu (uma tempestade, falta de comida, avistar terra, um conflito, uma doença)?
- Sentidos: O que seu personagem vê, ouve, cheira, prova e sente (tato/emoções) no navio? (Ex: Vê o mar infinito, ouve o ranger da madeira, cheira a peixe podre, prova biscoito duro, sente o balanço do navio, sente medo/esperança).
Momento 3: A Escrita (Aula 2)
Escrevendo a Página do Diário (25-30 min):
Instruções Claras:
- "Escrevam como se fosse o personagem falando." (Primeira pessoa: "Eu vi...", "Nós comemos...").
- "Coloquem uma data fictícia (Ex: 12 de outubro de 1492; 20 de março de 1500)."
- "Descrevam o que aconteceu, o que viram, o que sentiram."
- "Usem pelo menos 3-4 informações que aprendemos sobre a vida a bordo (comida, função, perigos, etc.)."
- "Não precisa ser longo, um ou dois parágrafos bem descritivos."
Exemplo Simples:
Data: 15 de Abril de 1500, a bordo da Nau Andorinha.
Querido Diário,
Hoje o mar está agitado. Sou apenas um grumete, então meu trabalho foi ajudar o mestre a amarrar bem as cordas das velas. O cheiro de peixe salgado já me enjoa, e o biscoito está mais duro que pedra. Ontem, um marinheiro ficou doente, o barbeiro disse que é febre. Tenho medo, mas também sonho em ver as Índias e voltar rico.
Momento 4: Compartilhando e Preparando o Futuro (Final da Aula 2 ou Início da Aula 3)
Leitura Voluntária (10-15 min):
Motivo da Viagem (além da função oficial):
- Oficial: "Sou o escrivão da expedição, contratado para registrar tudo."
- Pessoal/Secreto: Aqui está a chave para a profundidade!
- Busca por conhecimento/curiosidade científica? (Registrar novas plantas, animais, costumes)
- Aventura e desejo de ver o mundo?
- Fugir de algo em terra? (Dívidas, um amor não correspondido, problemas com a lei – embora escrivão fosse uma posição de confiança)
- Esperança de enriquecer com uma pequena parte dos lucros ou achados?
- Lealdade a um capitão ou patrocinador específico?
- Desejo de provar seu valor para a família ou para si mesmo?
- Fé e desejo de registrar a expansão do cristianismo?
- Inclusão: Os motivos pessoais podem refletir uma gama enorme de aspirações humanas, permitindo que cada aluno crie uma motivação única e pessoal para seu escrivão, mesmo que a função seja a mesma.
- Objetos Pessoais Mais Importantes que Levou (além dos instrumentos de escrita):
- Por quê? Revela mais sobre sua personalidade e suas conexões com a vida em terra.
- Exemplos: Um livro favorito (raro, mas possível), um amuleto religioso, uma carta de um ente querido, um pequeno instrumento musical (flauta simples), um diário pessoal secreto (além do oficial).
- Inclusão: Objetos podem ter significados culturais ou pessoais diversos.
- Maior Medo em Relação à Viagem:
- Por quê? Humaniza o personagem. Escrivães também tinham medos.
- Exemplos: Perder seus registros, naufrágio, doenças, ataques, não conseguir registrar os fatos com precisão, a solidão, o desconhecido.
- Inclusão: Permite explorar vulnerabilidades, que são universais.
- Maior Esperança/Sonho com a Viagem:
Exemplos reais
1. A Longa Espera e a Ansiedade no Mar (Colombo)
Contexto: Cristóvão Colombo, em seu diário da primeira viagem (1492), descreve os dias de navegação antes de avistar a América. A tripulação estava ficando nervosa. Trecho (adaptado do Diário de Bordo, cerca de 6-9 de Outubro de 1492): "Navegamos para Sudoeste. O mar estava alto, como nunca antes tínhamos visto na viagem. Vimos alguns pássaros e uma cana verde perto da nau. A tripulação [os marinheiros] já não aguentava mais; queixavam-se da longa viagem. Mas o Almirante [Colombo] animou-os o melhor que pôde, lembrando-lhes do grande proveito [riquezas] que poderiam ter e acrescentando que era inútil queixar-se, pois ele tinha vindo para as Índias e assim continuaria até encontrá-las, com a ajuda de Nosso Senhor." Para discutir: Como vocês acham que o escrivão registraria essa tensão entre o capitão e a tripulação? Que palavras ele usaria para descrever o cansaço e a esperança?
Contexto: O momento em que finalmente avistaram terra, na madrugada de 12 de outubro de 1492. Trecho (adaptado do Diário de Bordo, 12 de Outubro de 1492): "Às duas horas da madrugada, apareceu a terra, da qual estaríamos a umas duas léguas [cerca de 11 km]. Amainaram [diminuíram] todas as velas... e ficamos esperando até o dia clarear, uma sexta-feira, quando chegamos a uma ilhota... Logo vimos gente nua... O Almirante [Colombo] foi à terra na barca armada [barco pequeno com soldados], com Martín Alonso Pinzón e Vicente Yáñez, seu irmão, que era capitão da Niña. O Almirante levou a bandeira real e os capitães levaram duas bandeiras com a Cruz Verde... Puseram-se em terra, viram árvores muito verdes e muitas águas e frutas de diversas maneiras... O Almirante chamou os dois capitães e os demais que saltaram em terra... e disse que lhe dessem fé e testemunho [documento oficial] de como ele, diante de todos, tomava posse da dita ilha por El Rei e Rainha seus senhores..." Para discutir: Imaginem ser o escrivão neste momento. Qual seria a sua principal tarefa? Que detalhes seriam os mais importantes para anotar para o Rei e a Rainha? Qual a emoção de registrar um momento como esse?
Contexto: Pero Vaz de Caminha, escrivão da frota de Cabral, descreve o primeiro encontro com os indígenas no Brasil (1500). Trecho (adaptado da Carta de Pero Vaz de Caminha): "A feição deles é serem pardos [morenos], um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de cobrir ou de mostrar suas vergonhas [partes íntimas]; e nisso têm tanta inocência como têm em mostrar o rosto... Ambos traziam o lábio de baixo furado e metido nele um osso branco... Os cabelos deles são corredios [lisos]. E andavam rapados [raspados] por cima das orelhas... Um deles trazia um arco e flechas... Ali não pudemos saber que houvesse ouro, nem prata... Porém a terra em si é de muito bons ares... Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem." Para discutir: Como o escrivão descreve as pessoas que nunca tinha visto antes? Que detalhes ele acha importante mencionar? O que ele procura (ouro, prata) e o que ele encontra na terra? Como a descrição dele poderia influenciar o Rei?
Contexto: Antonio Pigafetta, cronista da viagem de Fernão de Magalhães (1519-1522), descreve a terrível travessia do Oceano Pacífico, onde ficaram meses sem ver terra e os suprimentos acabaram. Trecho (adaptado da "Relação da Primeira Viagem ao Redor do Mundo"): "O biscoito que comíamos já não era pão, mas um pó cheio de vermes [gorgulhos] que tinham devorado toda a sua substância e que tinha um cheiro insuportável por estar urinado por ratos. A água que bebíamos era pútrida [podre] e malcheirosa. Para não morrer de fome, fomos obrigados a comer pedaços de couro que cobriam o mastro maior... Deixávamo-los por quatro ou cinco dias no mar para amolecer, depois cozinhávamos e comíamos. Comemos também serragem de madeira, e os ratos, tão repugnantes ao homem, se tornaram uma comida tão cara que se pagava meio ducado [moeda de ouro] por cada um... Mas, acima de todas as desgraças, a pior era o escorbuto. Inchavam as gengivas a ponto de cobrir os dentes... e os que eram atacados por ela não podiam comer nada. Morreram dezenove homens..." Para discutir: Que sentimentos esse trecho desperta? Como um escrivão conseguiria registrar uma situação tão horrível? Por que era importante, mesmo assim, registrar essas dificuldades? Que detalhes mostram o desespero da tripulação?
Contexto: Pigafetta também registrava as coisas novas e diferentes que via. Aqui, ele descreve algo curioso (possivelmente "gigantes" na Patagônia ou animais exóticos). Trecho (exemplo adaptado baseado no estilo de Pigafetta): "Nesta terra [Patagônia], vimos um homem que era tão alto que nossas cabeças mal chegavam à sua cintura. Era bem feito, com o rosto largo pintado de vermelho... Seu traje era de peles de um animal costuradas... Este animal [guanaco?] tem a cabeça e as orelhas de mula, o corpo de camelo, as patas de veado e a cauda de cavalo... Também vimos pinguins, estranhos gansos pretos e brancos que não voam e nadam debaixo d'água." Para discutir: Como o escrivão tenta descrever coisas completamente novas, para as quais ele não tinha nomes? Por que registrar essas "maravilhas" era importante para a expedição e para quem lia os relatos na Europa?
- Contexto: A religião era central na vida e nas motivações dessas viagens.
- Trecho (exemplo combinando ideias presentes em Caminha e Colombo):
"E neste ilhéu [onde rezaram a primeira missa no Brasil], Nosso Senhor nos deu abrigo... Levantamos uma cruz, em sinal de posse para Vossa Alteza [o Rei] e para a exaltação da Santa Fé... Creio que esta gente [os indígenas], por ser tão simples, facilmente se faria cristã, se lhes déssemos a entender nossa fé... Tudo seja feito para o serviço de Deus e de Vossas Altezas."
Para discutir: Qual o papel da religião nessas viagens, segundo o escrivão? Como ele conecta a descoberta de novas terras com a fé? Por que isso era importante para os Reis?
7. O Desafio da Navegação e o Medo do Desconhecido (Gomes Eanes de Zurara)
Fonte: ZURARA, Gomes Eanes de. Crónica dos Feitos da Guiné (século XV). Este cronista narrou as primeiras explorações portuguesas na costa da África, incluindo as dificuldades de dobrar o Cabo Bojador. Contexto: Antes de Gil Eanes conseguir ultrapassar o Cabo Bojador em 1434, havia um grande temor em relação a essa região, acreditando-se que era o fim do mundo navegável, com monstros marinhos e águas ferventes. Trecho (adaptado da "Pois é manifesto que durante muitos anos ninguém ousara passar além daquele cabo [Bojador]... Alguns diziam que a correnteza era tão forte que, uma vez passado o cabo, nenhum navio jamais poderia retornar. Outros afirmavam que a navegação era baixa, sem mais de uma braça [medida de profundidade] de água. Outros contavam que o mar era tão cheio de baixios que a uma légua [distância] da terra não havia mais que um côvado [medida] de água... E por causa desta opinião, não por falta de coragem ou boa vontade, mas pelo terror desta novidade, deixavam de prosseguir." Para discutir: Como o escrivão da época registraria esses medos e crenças populares? Qual seria a importância de superar um obstáculo como esse, tanto para a navegação quanto para a moral da tripulação? O que o escrivão de Gil Eanes teria escrito após finalmente passar o Cabo Bojador?
Fonte: Regimento que El-Rei D. Manuel deu a Vasco da Gama quando foi pela primeira vez à Índia (1497). Documento oficial com instruções.Contexto: Os regimentos eram conjuntos de ordens e regras que os capitães deviam seguir. Eles detalhavam desde a rota até como lidar com a tripulação e problemas.Trecho (adaptado e simplificado de um Regimento típico, refletindo o espírito do Regimento de Vasco da Gama): "Ordenamos que em cada nau haja bom concerto [organização] e que todas as noites, antes de anoitecer, o capitão da nau capitânia [nau principal] faça sinal com uma lanterna para que as outras naus se ajuntem. E se alguma nau se perder da frota, deverá esperar três dias no ponto combinado... E que o piloto e o mestre tenham muito cuidado com a navegação, consultando as cartas [mapas] e o astrolábio... E que haja paz e justiça entre a gente [tripulação], punindo-se os que causarem desordem ou motim, conforme a gravidade da culpa, para bom exemplo dos outros." Para discutir: Qual a importância de um documento como esse para a viagem? Como o escrivão usaria o regimento em seu trabalho? Se houvesse uma punição, como o escrivão deveria registrá-la de forma oficial?
Fonte: Roteiro da Primeira Viagem de Vasco da Gama à Índia, 1497-1499 , atribuído a Álvaro Velho, um soldado ou marinheiro da expedição.Contexto: Chegada a Calicute, na Índia, e as primeiras tentativas de estabelecer relações comerciais e entender os costumes locais. Havia muita desconfiança mútua.Trecho (adaptado do Roteiro , descrevendo interações em Calicute):"Mandou el-Rei [o Samorim de Calicute] que fôssemos com nossas mercadorias a uma casa. E quando lá chegamos, estenderam um pano branco no chão para assentarmos nossas coisas... Eles olhavam muito para o nosso ouro, mas não mostravam grande desejo pelas nossas outras mercadorias [tecidos de lã, chapéus, contas de coral]... E nos disseram que devíamos dar presentes ao rei e aos seus oficiais para podermos comerciar. E nós sempre andávamos com cautela, pois não conhecíamos bem seus costumes nem se eram gente de fiar." Para discutir: Que tipo de informações o escrivão precisaria anotar sobre essas primeiras trocas comerciais? Por que a descrição das mercadorias (o que os portugueses ofereciam e o que os indianos valorizavam) era importante? Como a "cautela" mencionada se refletiria nos registros do escrivão?
Fonte: LÉRY, Jean de.História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil (publicado em 1578, mas referente a uma viagem em 1556-1558). Léry era um pastor calvinista francês.Contexto: A morte era uma companheira constante nas longas viagens. Os rituais fúnebres eram simples, mas significativos.Trecho (adaptado de História de uma Viagem Feita à Terra do Brasil , Capítulo III, sobre a travessia do Atlântico):"Quando acontecia de alguém morrer durante a viagem (o que, graças a Deus, não nos ocorreu com frequência), depois que o corpo esfriava, se o falecido tivesse algum amigo a bordo, este o envolvia num lençol, cosendo-o e atando-lhe aos pés algum peso, como um ou dois projéteis de canhão, para que fosse ao fundo. Então, após uma breve exortação [discurso religioso] e orações, o corpo era lançado ao mar. Se o morto não tinha amigo particular, o mestre da nau ou algum de seus oficiais se encarregava disso, pois não se permite que um corpo morto permaneça no navio, não apenas pelo mau cheiro, mas também pela crença dos marinheiros de que isso traz azar à navegação." Para discutir: Como o escrivão registraria uma morte a bordo? Que informações seriam importantes (nome, causa da morte, data)? Por que registrar até mesmo eventos tristes era parte do trabalho? Como a crença dos marinheiros poderia ser mencionada (ou não) num registro oficial?
Fonte: Vários relatos fragmentados de sobreviventes da expedição de Magalhães, como o diário do piloto Francisco Albo ou outros testemunhos coletados posteriormente. A descrição da fome por Pigafetta (citada anteriormente) é a mais famosa, mas a ideia da escassez era comum.Contexto: A rotina da alimentação e como ela se deteriorava com o tempo.Trecho (construído com base em descrições comuns em relatos da época sobre a alimentação): "Hoje, o cozinheiro distribuiu a ração: um pedaço de biscoito já duro como pedra e com alguns bichos, e uma caneca de água com um pouco de vinho para disfarçar o gosto ruim. A carne salgada está cada vez mais escassa e o cheiro no porão onde os mantimentos são guardados é forte. Alguns homens pescaram um peixe grande, o que foi um alívio, pois há dias não comemos nada fresco. O mestre mandou que o escrivão anotasse a quantidade de barris de água que ainda restam, e a notícia não é boa." Para discutir: Que tipo de detalhes sobre a comida o escrivão acharia importante anotar? Por que o controle dos mantimentos (água, biscoito) era crucial e precisava ser registrado? Como a simples menção de um "peixe grande" poderia ser um evento significativo no diário?
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